Em 22 de maio último, nos jornais eletrônicos Sul21 e Brasil de Fato noticiaram denúncias de assédio moral e sexual feitas por três servidoras do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
As denúncias foram formuladas em 2019, sendo arquivadas sem que nenhuma das partes fosse ouvida. Somente após a interposição de recurso pelas servidoras – já em meados de setembro de 2020 – o Conselho de Administração determinou a abertura de sindicância para apuração dos fatos.
Novamente, em março deste ano, a comissão responsável recomendou o arquivamento do caso, sem a instauração de processo administrativo contra o denunciado.
A notícia em si não surpreende mais, o que assusta de fato é ter que se deparar com a triste realidade de que até mesmo o órgão responsável por nos proteger e condenar condutas dessa espécie, supostamente praticadas em outros ambientes, também os convalida.
Então questiono: a quem recorrermos?
De acordo com uma pesquisa feita pelo LinkedIn em conjunto com a consultoria de inovação social Think Eva, quase metade das mulheres já sofreu algum assédio sexual no trabalho. Sabemos que estes dados estão corretos. NÓS sabemos.
Para a pesquisa, foram ouvidas online 414 profissionais em todo o Brasil; entre elas, 15% pediram demissão do trabalho após o fato e apenas 5% delas recorrem ao RH das empresas para reportar o caso.
O baixo índice de queixas está diretamente ligado ao somatório de impunidade, ineficiência das políticas internas, ao medo e ao sentimento de culpa.
Como se não bastasse a sensação de impotência – bem justificada, diga-se de passagem –, as mulheres quase sempre põem a culpa em si mesmas e no controle insuficiente da própria aparência pelo assédio sofrido. Tal circunstância fica bem evidenciada nas reportagens quando a servidora Carla, após o episódio que sofreu, relata ter perguntado à amiga que a acompanhava se sua blusa estava muito “chamativa ou indecente”.
Na década de 90, cinco estudos realizados pela The Sexuality of Organization, concluíram que o comportamento de uma mulher “é percebido e rotulado de sexual mesmo quando a intenção não é essa”. Gestos simpáticos por parte de uma mulher são muitas vezes interpretados como de cunho sexual, em especial quando “sugestões não verbais são ambíguas ou quando seus trajes são reveladores”. Como bem sabemos, as definições de roupas reveladoras dadas por homens e por mulheres podem ser bem distintas.
Infelizmente, não somos o país da exceção. Os Estados Unidos, por exemplo, contam com um longo histórico de veredictos que desencorajam a realização de denúncias. No caso Miller versus Bank of America, o Tribunal – confundindo atração sexual com assédio sexual – declarou em sua decisão que a atração era um “fenômeno sexual natural” que “desempenha no mínimo um papel sutil na maioria das decisões de recursos humanos” e que, sendo assim, a Corte não deveria se aprofundar em “tais questões”.
Ainda, em Barnes versus Costle, a conclusão a que se chegou foi de que se as características físicas exclusivas de uma mulher fossem os motivos alegados pelo patrão para molestá-la sexualmente, a questão não girava em torno do seu gênero, mas sim da sua aparência pessoal, a qual não tem amparo na legislação. Naomi Wolf foi certeira: se o entendimento é de que a “beleza” provoca o assédio, por que curiosamente se recorre aos olhos masculinos para decidir qual é a sua causa?
Referidas decisões têm um peso gigantesco e agem em conjunto para ensinar as mulheres que, no que lhes diz respeito, a justiça não se aplica. Essa circunstância nos é apresentada como algo “imutável, eterno, correto e que tem origem nelas mesmas, que lhes pertence tanto quanto sua altura, a cor do seu cabelo, seu sexo e o formato do seu rosto”.
A lei – aqui compreendida extensivamente por quem as interpreta – apoia o sistema.
Finalizo essa pequena reflexão agradecendo o suporte oferecido pelo Sintrajufe/RS às vítimas. Quando elas conseguem ter voz, todas nós conseguimos.
Também presto minha solidariedade a estas corajosas mulheres e busco lembrá-las do que uma vez a indiana Rupi Kaur escreveu no poema “Legado”:

“Me levanto sobre o sacrifício de um milhão de mulheres que vieram antes,
E penso
O que é que eu faço
Para tornar essa montanha mais alta
Para que as mulheres que vierem depois de mim
Possam ver além”.
Talvez, hoje, vocês tenham deixado a nossa montanha um pouco mais alta.
Seguimos juntas.

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