Sancionada no dia 28.07.2021, a Lei nº 14.188 traz importantes conquistas para os direitos femininos, principalmente a inclusão do tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Percebe-se um grande avanço em igual sentido em toda a América Latina, mas os dados demonstram que ainda há muito caminho pela frente.
No último dia 28 foi sancionada a Lei nº 14.188/2021 que, para aqueles que não sabem, trouxe importantes avanços no combate à violência doméstica e familiar, especialmente no que se refere à inclusão de norma legal tipificando como crime a violência psicológica contra a mulher, além de permitir o imediato afastamento do agressor do local de convivência também nesses casos, não só nas hipóteses de violência física.
A nova lei trouxe outras alterações (e conquistas), a exemplo da fixação de pena específica nos casos de lesão corporal praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. Entretanto, destaco as acima citadas pois, até o momento, existem grandes obstáculos para se comprovar e enquadrar a violência psicológica em tipo penal específico. Na maioria dos casos, se faz necessário inseri-la criminalmente em outros delitos, como no de ameaça, nos crimes contra a honra (injuria, calúnia, difamação), na contravenção penal de constrangimento (com menor potencial ofensivo), ou no próprio artigo de lesão corporal. Embora haja o entendimento de que a violência psicológica causa lesão corporal à integridade psíquica da vítima, é necessário comprovar o nexo causal e a extensão do trauma através de um laudo médico, o que dificulta qualquer resultado prático nesse sentido.
Paradoxalmente, os índices da pesquisa DataSenado (2017) revelam que 47% das mulheres que declaram ter sofrido algum tipo de violência doméstica afirmam ter passado por situações de violência psicológica. A situação se agrava em tempos de pandemia e distanciamento social, como se observa do levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o qual refere um aumento de 431% em relatos de brigas de casal entre fevereiro e abril de 2020. Ainda, a pesquisa indica que nos 12 Estados pesquisados, os casos de feminicídio subiram 22,2% de março para abril.
Não se pode ignorar, sobretudo, que a própria violência física está diretamente interligada com a violência psicológica, ocorrendo majoritariamente em uma verdadeira escalada de violência. Ainda, as implicações de ordem física e mental decorrentes são diversas, tais como depressão, ansiedade, baixa autoestima, transtornos alimentares e até mesmo suicídio, conforme já constatado pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS).
A nossa mudança legislativa não ocorreu por acaso, eis que vem acompanhando a onda de avanços na criação de legislações para coibir a violência contra as mulheres ocorrendo em toda a América Latina. Ao menos 16 países da região já possuem leis específicas para enquadrar a violência de gênero, em que pese ainda possuírem histórias marcantes de violência contra a mulher.
Evidentemente que o novo artigo penal abre as portas para o reconhecimento de outras formas de violência que por vezes deixam marcas mais profundas do que a física, buscando proteger e preservar a saúde mental da mulher além de, por consequência, sua integridade física.
Porém, mais do que um avanço legal, é imprescindível realizar mudanças nas estruturas sociais, circunstância evidenciada a partir de um estudo publicado pelo instituto americano Pew Research em 2014, o qual aponta que em metade dos 19 países latinos pesquisados acredita-se na afirmação de que “a mulher deve sempre obedecer ao marido”. Apenas na Argentina (31%), no Chile (24%) e no Uruguai (23%), menos de quatro em cada dez adultos concordam o ponto de vista. No Brasil, 64% dos consultados defendem a obediência da mulher.
Crenças como essa impulsionam a média de 12 mulheres mortas por dia vítimas da violência (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – Cepal) e, infelizmente, a criminalização de condutas iguais ou que precedem a esta, não se mostra suficiente para impedi-las.
Não queremos 08, nem 03, nem 01.
Queremos Ni Una Menos.